A História da Cirurgia Vascular

Escrito por Fernanda A. Andrade
Coordenadora de Ensino da SABACV

A cirurgia vascular é uma especialidade relativamente nova entre as especialidades cirúrgicas. Tornou-se uma realidade mundial no final dos anos 40 e início da década de 50 do século XX. Mas, é claro que as doenças vasculares afetam a humanidade há muito tempo. Por exemplo, no Antigo Egito, existe um dos primeiros relatos de úlceras e varizes, datado do ano de 1550 a.C., em papiros. O Papiro de Ebers, verdadeiro predecessor dos tratados de Medicina, já citava o termo varizes, referindo-se à “dilatações serpentiformes nos membros inferiores, enroladas, endurecidas, com nódulos e como cheias de ar...”.
O papiro de Ebers em hieróglifos. Reprodução do Atlas zur 
Altaegyptischen Kulturgeschichte, publicado em Leipzig em 1936.

No antigo testamento, há a descrição de um tratamento para úlcera venosa crônica pelo profeta Isaías. E caminhando na cronologia, não poderíamos deixar de lado a ilha de Cós, que era um centro do ensino médico no mar Egeu. O pai da medicina, Hipócrates, nasceu nesta privilegiada ilha em 460 a.C., e o mesmo cita, em suas obras, as doenças venosas de membros inferiores. Seus escritos emocionam os estudiosos da flebologia, por tamanha proximidade do que conhecemos modernamente, já recomendando a compressão como tratamento e citando os efeitos benéficos do repouso (“em casos de úlceras, não é bom ficar em pé”). Em outra citação, descreve as úlceras varicosas: “Grandes úlceras são consequências de incisões em membros com varizes”.

Primeira edição grega dos trabalhos completos de Hipócrates por Aldus Manutius, Veneza 1526.

Ainda, na Grécia, encontramos uma peça, que hoje pode ser vista no museu de Atenas, que é uma imagem esculpida em pedra que mostra uma veia varicosa em uma perna masculina, foi encontrada no templo de  Amynos, próximo à acrópole de Atenas é  datada de 350 a.C.

Oferenda votiva do templo dedicado ao semideus Amynos localizado nos arredores de Atenas. 
Cerca de 350 AC, peça do Museu de Atenas.

Na Roma clássica, Plutarco descreveu em seus escritos “A Vida Paralela” a primeira exérese de varizes que foi realizada por um cirurgião romano anônimo: “Foi ilustre a firmeza do General e Cônsul romano, Caius Marius, que nos anos de 105 a.C, suportou sem anestesia, em silêncio, as dores das incisões cauterizadas em ferro quente”. Posteriormente, Aurelius Cornelius Celsius (53a.C. – 7 d.C.) descreveu com detalhes a realização de uma exérese de varizes por incisões escalonadas, em que cauterizava a veia e retirava a quantidade de vasos que era possível.

O Cirurgião Romano Aurelius Cornelius Celsus. Litografia de Vingneron, sem data.

Galeno (130-200 d.C.), nascido em Pérgamo, na Ásia Menor, foi médico de gladiadores, tendo descrito a extirpação de varizes entre duas ligaduras e assinalado que a dilatação das varizes depende da quantidade de sangue que existe em seu interior. A ele, é atribuída a invenção da ligadura cirúrgica, sem a qual a cirurgia não teria se desenvolvido.  

Durante a Idade Média, período de escuridão para as ciências no Ocidente, a cirurgia vascular floresceu no Oriente Médio. Foi nessa época que os grandes médicos árabes identificaram e nomearam a veia safena (Al-safen em árabe, quer dizer "a oculta").

No Renascimento, a Cirurgia Vascular também renasceu através dos estudos de Fabrizzio D'Acquapendente, professor da Universidade de Pádua, que descobriu as válvulas venosas. No Renascimento, os artistas, procurando a perfeição na reprodução da figura humana, realizavam estudos anatômicos, muito mais com interesse na produção artística do que voltados para pesquisas e ensino na área médica. Dentre estes, Michelangelo e Leonardo Da Vinci conseguiram pintar o corpo humano com desenhos detalhados da Anatomia Vascular. No século XVII, o professor inglês William Harvey descreveu a circulação sanguínea como a conhecemos hoje.

Desenho anatômico de 1513. Por Leonardo da Vinci.    

As cirurgias arteriais tiveram seu início com a descrição, em 1888, da primeira correção de aneurisma por Matas. Porém, o maior marco da cirurgia vascular moderna se deu apenas em 1902 com a publicação da técnica de sutura vascular por Alexis Carrel, que recebeu o prêmio Nobel de Medicina por este feito em 1912. Essa técnica, até hoje, é a base da maior parte das cirurgias vasculares abertas.
Durante o século XX, a cirurgia vascular estabeleceu-se como especialidade médica e pouco a pouco, as técnicas cirúrgicas foram se aperfeiçoando. Em 1946, o professor português João Cid dos Santos descreveu a técnica de endarterectomia, que consiste na retirada das placas de ateroma de dentro das artérias. Logo depois, em 1951, houve a primeira cirurgia de correção de aneurisma de aorta abdominal por Dubost.

É admirável ler esta evolução, certo? Mas o mais surpreendente ainda estaria por vir... A era da cirurgia endovascular.

Os cientistas Berberich e Hiersch no início dos anos 20, quando, usado brometo de estrôncio e iodeto de sódio desenvolveram os primeiros estudos angiográficos. Ainda no mesmo período, foram obtidas duas grandes avanços no estudo da angiografia vascular. O primeiro foi 1928, quando Egaz Moniz, em Lisboa, descreve a técnica de arteriografia cerebral por punção direta da artéria carótida e a segunda ocorreu imediatamente após, quando Reynaldo dos Santos, em 1929, utilizou a punção translombar usado para visualizar a aorta abdominal.
  
Em 1953, quando Seldinger descreve uma nova técnica realizada por via percutânea, foi o marco de uma nova era na Cirurgia Vascular. Esta técnica é a punção de um vaso com uma agulha através da pele, onde se insere uma guia de arame, que serve como suporte para a introdução de um cateter, permitindo assim que o cateterismo seletivo de todas as principais áreas vasculares do organismo.

Em 1974, que Grünztzig desenvolveu um cateter balão usado para angioplastia. No entanto, a consolidação de procedimentos minimamente invasivos para o tratamento de doenças vasculares veio apenas em 1988, com a utilização de um stent metálico desenvolvido pelo professor argentino Julio Palmaz.
O início da década de 90 foi um verdadeiro marco na evolução das técnicas minimamente invasivas. A chamada Cirurgia Endovascular teve inicio quando Dr. Juan Parodi, em Buenos Aires, demonstrou a possibilidade de tratar aneurismas da aorta, evitando cirurgia aberta, pela implantação de um stent revestido introduzido através da artéria femoral. Esta prótese endovascular é liberada na artéria aorta e expande-se para aderir à parede arterial, sem pontos.

Apesar desta breve descrição, há muito o que ser abordado sobre esta história tão rica, e ainda não chegamos no final da revolução desta especialidade! A cada dia há uma nova técnica e novos meios para atingir grandes resultados com procedimentos minimamente invasivos. A cirurgia vascular está em constante transformação pelo empenho de seus profissionais.


Fernanda Almeida Andrade é acadêmica de medicina na UNIDERP, em Campo Grande - MS. Em 2017, participou da fundação como Coordenadora de Ensino da SABACV - Sociedade Acadêmica Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular, já reconhecida pela SBACV. Desde o início do curso está voltada para parte científica médica, especificamente, assuntos da Cardiologia e Angiologia. Gosta de escrever, ler e desenhar.

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