Tabagismo e tromboangeíte obliterante

Karine Nascimento Chaves
Universidade Tiradentes

A tromboangeíte obliterante foi descrita pela primeira vez em 1879, por Felix Von Winiwarter, um cirurgião austríaco, que publicou dados referentes a um caso que ele descreveu como gangrena espontânea. Já em 1908, Leo Buerger, médico no Hospital Mount Sinai, descreveu a ocorrência de uma gangrena digital entre a população judaica de Nova York e relacionou a natureza da trombose arterial com o descrito por Von Winiwarter. Assim, a doença foi nomeada como tromboangeíte obliterante, também conhecida como Doença de Buerger. Entretanto, somente em 1924, Buerger informou que o consumo de tabaco provavelmente era um fator predisponente.


A tromboangeíte obliterante é uma doença vascular obliterativa e inflamatória, não aterosclerótica, que afeta artérias e veias de pequeno e médio calibre, especialmente das extremidades superiores e inferiores do corpo, sendo mãos e pés o principal local de acometimento. A doença acomete principalmente homens jovens, em torno dos 35 anos, tabagistas e que apresentam, clinicamente, isquemia nas extremidades, úlceras isquêmicas e gangrena, eliminando possíveis diagnósticos para outras doenças, tais como arteriosclerose e artrite necrosante. Embora, originalmente, tenha sido detectada predominantemente em homens, mulheres também são afetadas, e isso está totalmente relacionado ao aumento da participação das mulheres no número de fumantes com o passar dos anos. A distribuição geográfica varia também em países onde o tabagismo é mais acentuado. Nota-se que a doença é mais prevalente no Oriente Médio, na América do Norte e na Europa Ocidental.

Apesar de sua etiologia ainda não ser definida, o tabagismo tem sido o principal fator causal apontado pelos estudiosos, uma vez que todos os doentes são fumantes. Alguns pacientes com a doença podem ter histórico de hipercoagulabilidade, assim como existem outros que possuem uma resposta imunológica acentuada em relação ao colágeno que possuem na parede dos vasos. A maioria dos pesquisadores tem apontado que a doença seja uma resposta imune celular exacerbada, pois tem-se notado presença de imunoglobulinas e alguns fatores do complemento nas lâminas estudadas, porém o antígeno ainda não foi descoberto. Fatores genéticos também são sugeridos como etiologia, já que a predisposição genética tem sido muito investigada por haver aumento considerável de HLA – Antígeno Leucocitário Humano nos doentes. Há também uma correlação com o Fenômeno de Raynald, que é caracterizado por uma alteração na sensibilidade, devido ao vasoespasmo das pequenas artérias digitais, em resposta a temperaturas mais baixas. 

TABAGISMO
O tabagismo está relacionado com diversas doenças, principalmente às doenças cardiovasculares. Mundialmente, o índice de mortes anuais por uso do tabaco tem aumentado significativamente e seu uso acelera os processos de aterosclerose, aumentando os riscos de isquemia. 

A fumaça do cigarro contém milhares de substâncias químicas tóxicas, incluindo: benzeno, cádmio, chumbo, polônio radioativo, benzopireno, amônia, monóxido de carbono e nicotina, que são bastante prejudiciais à saúde do fumante. Dessas, a principal é o monóxido de carbono, que em relação a processos vasculares, tem papel importante na viscosidade sanguínea, uma vez que, ao entrar na corrente sanguínea, reduz a capacidade de transporte de oxigênio da hemoglobina, o que leva o organismo a responder com uma maior produção de eritrócitos para suprir a necessidade de oxigênio. Com isso, o sangue fica mais viscoso, tornando-se mais difícil de passar por artérias comprometidas e dificultando a passagem para pequenos vasos.

Clinicamente, o paciente apresenta-se com dor intensa no membro afetado, isquemia de extremidades e marcha claudicante. Inicialmente a sintomatologia pode ser vaga com presença de parestesias e dor com a exposição ao frio. Úlceras digitais podem ocorrer, especialmente após pequenos traumas. O fenômeno de Raynaud é comum. Notam-se, ainda, tromboflebite no local afetado, e o mesmo encontra-se praticamente sem pulso. O encontro de homocisteína elevada traz um pior prognóstico para a doença. 


A doença em sua fase aguda é caracterizada, histopalogicamente, por uma inflamação na parede do vaso, na maioria das vezes artérias de médio e pequeno calibre com predominância de trombos, com preservação da elasticidade e da forma da parede do vaso.

O diagnóstico não é muito difícil se o paciente possuir a maioria dos sintomas, tais como cianose digital, dor muito forte, gangrena e ser ou já ter sido um usuário do tabaco. O diagnóstico baseia-se na clínica de um paciente jovem, tabagista, com lesões isquêmicas progressivas em membros inferiores. A tríade clássica de tromboflebite migratória superficial, claudicação e fenômeno de Raynaud ocorre numa minoria dos casos. Deve-se, primeiramente, excluir qualquer outro provável diagnóstico, como arteriosclerose, trombose, entre outras doenças vasculares. Geralmente no local da lesão não há pulsação palpável e nota-se o membro com uma temperatura baixa, devido à falta de circulação sanguínea no local.

Classicamente, a arteriografia demonstrará lesões bilaterais com estreitamento ou oclusão vascular não relacionada à ateromatose. Pode-se observar a presença de colaterais ao redor da oclusão. Os vasos proximais, de maior calibre, são normais, o que auxilia na diferenciação com a aterosclerose. As artérias mais acometidas são as radial, braquial e distal nos membros superiores e, nos membros inferiores, a tibial. 


A interrupção do tabagismo é a única medida comprovadamente eficaz contra esta doença. Deve-se eliminar o tabaco e evitar contato com pessoas fumantes; caso contrário, as consequências da doença tendem a aumentar, podendo levar à necrose de todo o membro afetado e, consequentemente, levando à amputação. A não eliminação do tabaco na vida do paciente que tem tromboangeíte pode levar ao acometimento de mais artérias, podendo passar de um membro para outro, tanto inferior, quanto superior.


Uma forma de tratamento bastante estudada é a arterialização do arco venoso, que é a tentativa de recanalização através do arco venoso, utilizando fístulas. O resultado tem sido bom em pacientes portadores da doença e evitado muitas amputações. Os resultados das arteriografias e do doppler antes e depois da cirurgia permitem visualizar nitidamente a recanalização bem sucedida. Porém, esse procedimento não é eficiente em todos os pacientes. 

Outras formas de tratamento são com medicamentos vasodilatadores e prostaglandinas. Porém, nenhum tratamento se resolve sem a total abstinência do tabaco. Nos casos onde o paciente consegue parar com o hábito, a amputação não é necessária, pois a doença entra em remissão. 

Já os pacientes que estão apenas com marcha claudicante devem ser estimulados a andar e, por fim, pacientes com isquemia crítica devem ficar de repouso sob orientação médica. Em relação ao manejo dos sintomas, o iloprost (análogo da prostaciclina) e a simpatectomia podem ser usados nos pacientes com dor importante e isquemia crítica. Bloqueadores de canais de cálcio e compressão pneumática intermitente também podem reduzir a sintomatologia.

Vale salientar ainda, que para o paciente com tromboangeíte obliterante, muitas vezes são necessários tratamentos psicológicos e a prescrição de remédios para que cesse a abstinência do tabaco, além dos cuidados locais, como lã de carneiro para aquecer o membro afetado, evitar traumas e utilizar creme hidratante, medidas que são extremamente importantes para evitar a entrada de microrganismos.

Karine Chaves é acadêmica de medicina da UNIT-AL. Atualmente, está cursando o 7º período. É membro da Associação Acadêmica de Cardiologia (AAC) e da Sociedade Acadêmica Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular (SABACV), Presidente fundadora da Liga Acadêmica de Anestesiologia e Dor (LAAD) da UNIT e membro da Liga Acadêmica Cardiovascular da UFAL. Adora ler, dormir e assistir filmes.

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